segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Éxons

Paro a travessia no meio da faixa de pedestres para dar passagem ao carro.


Deito no chão que um dia foi a casa dela, e pela primeira vez me permito morrer de saudades. Aceito que a bolha que existe entre nós precisa desesperadoramente ser estourada. Ouço dizer por aí que tudo tem começo e fim, mas sinto que nem todo amor cabe num intervalo. 

Sei que dentro da cabeça o mundo é todo meu. Mas, às vezes, me sinto apenas uma entre sete bilhões.


"Para Marina, na esperança de vê-la tocando para mim um dia..."

domingo, 26 de outubro de 2014

Achados e perdidos

Despedi-me dele com aquela sensação ruim no abdome, como sempre. Depois de tanto tempo, o tchau ainda era amargo. Pontuava um momento que deveria ser infinito. Suspirei e subi a rua, ainda sentindo o toque dos lábios. Uma voz martelava no fundo da minha cabeça: "Você deixou algo!" Deixei? Repassei mentalmente tudo que havia trazido na bolsa; chave, bilhete, casaco, livro, garrafa vazia. Apalpei a bolsa com os dedos, só para reforçar a certeza de que tudo estava lá. 

Os quinze minutos que passei sentada no metrô foram gastos no mesmo trabalho incômodo de conferência e reconferência, dessa vez abrindo a bolsa e retirando item por item. Carteira. Cartão. Remédio. Trident sabor menta. Tudo ali. Assusto com um berro ao me levantar para deixar o trem: "Olha ali! Você tá esquecendo!" Era a voz. Sobressaltada, olho pra trás a tempo de ver o trem partindo da estação, encontrando meu assento tão vazio quanto deveria estar. Retruco, já irritada: "Esqueci o quê, sua maldita? Me deixa em paz." 

"Você deixou lá."

"Não acredito que esqueceu isso."

"Não adianta procurar que não tá na sua bolsa."

Não havia nada que eu pudesse fazer. Eu certamente deixara algo lá, não era possível. Mas o quê?!

Um banho. Eu precisava de um banho. Liguei o chuveiro e deixei o questionamento de pano de fundo por um momento. Concentrei-me apenas no que havia acontecido naquele dia. Fui gradativamente envolvida por seu cheiro, o som da sua risada e a cor de seus olhos, e na minha cabeça era abraço e risos e beijo no cocuruto. E tudo estava ali. O riso imaginário me saiu pelos lábios quando finalmente percebi o motivo da minha sensação de vazio. Eu o havia deixado lá. Havia esquecido de trazê-lo na bolsa comigo. Deixei pra trás sua casa, sua rua, o metrô que me levava até ele, o rastro do seu perfume. A voz, dessa vez, soou debochada:

"Viu, menina? Você não ia encontrar nunca nos achados e perdidos..."

domingo, 19 de outubro de 2014

(hemato)poética

Há muito tempo, antes dessa construção se tornar um condomínio de casinhas modernas, precisamente onde hoje fica o quarto em que durmo, existiu um quintal. Pequeno, escondido, um quartel general aos olhos daquela criança magricela. Às vezes, quando o sol estava bom de tomar e os joguinhos lhe aborreciam, ela pegava sua boneca Emília numa mão, o topolino de estimação na outra e saía para brincar no quintal. Um dos quatro lados que o delimitavam era um muro alto de tijolos e concreto, escuro, áspero, guardando um segredo sobre o que havia do lado oposto. Sua única fraqueza era um buraco bem no centro, como um umbigo, do tamanho de um ovo de páscoa. Frequentemente, a menina esmagava o rosto contra o buraco do muro, na esperança de enxergar mais sobre o outro lado, mas tudo que ela sempre via eram folhas compridas e escuras. A única coisa que ela sabia, então, era que do outro lado havia pelo menos uma árvore, e que aquele muro muito provavelmente era o divisor entre sua casa e um mundo encantado.

Um dia, espiando pelo buraco como costumava fazer, ela viu uma fruta. Uma pequena fruta de formato ovalado e ainda verde, pendendo de um dos galhos da árvore. A excitação foi tanta que chamou a mãe e o padrasto para dividirem com ela a alegria da descoberta. "É uma manga, filha. Essa aí é mangueira, mas a terra não é boa, não. Por isso que quase não dá manga." Ela acompanhou a epopeia da manga até o dia em que ela caiu. Simplesmente não estava mais lá. E desse dia em diante a mangueira nunca mais deu fruta, nenhumazinha. "E nunca mais dará", ela pensou. 

Demoliram a casa, derrubaram o muro que escondia a árvore e todo o resto do quintal da vizinha. Construíram o condomínio de casinhas modernas. E a sacada do meu quarto é justamente cara a cara com a mangueira. Eu a acompanhei durante todos esses anos, admirando sua altivez e suas folhas brilhantes, conformada com o fato de que ela jamais geraria qualquer outra manga. Eis que, numa tarde, ao voltar da faculdade, deparo-me com uma fruta verde e ovalada a pender de um dos galhos. Nenhuma palavra no mundo expressará o que essa visão significou para mim. É a renovação súbita da esperança. É mais sobre sentir que escrever. 

terça-feira, 29 de julho de 2014

O ciclo da vida

Desde que comecei a estudar veterinária, perguntei-me muitas vezes quando eu finalmente sentiria que estava no caminho do meu coração. Foram escuros os dias em que temi jamais senti-lo. Uma escolha impensada, eu achava, impulsionada por um desejo infantil, que não seria suficiente para abraçar a profissão de toda a minha vida.

Duas semanas atrás, estava eu às cinco e meia da manhã na estação Artur Alvim, carregando uma mala, uma bolsa e uma mochila, que a custo comportaram tudo que eu queria levar. Mais tarde, naquele mesmo dia, desfazia-as todas no meu novo quarto. Um quarto que, mal sabia eu, guardaria muitas lembranças deliciosas, e uma saudade maior que aquele campus inteiro. Onde eu faria novas amigas (e o Kateta), e estreitaria os laços com as que já possuía. Onde, juntas, escreveríamos poemas de versos terminados em "eco", gritaríamos de medo, riríamos de faltar ar, aprenderíamos dança do ventre. E comeríamos. Pra cacete.

O sol nascia num vermelho sanguíneo de encher os olhos, emoldurando a silhueta dos cavalos recém-despertos, uma visão tão gentil que compensava nossos protestos por ter de colocar o despertador para tocar antes das seis. A dor muscular advinda* de cavocar silagem com a enxada, ou carregar baldes de ração, sumia quando os víamos comendo com gosto. Andaríamos várias centenas de metros com prazer, só pra não abandonar o Mickey na estrada. Tudo era gostoso, não havia nada que fizéssemos juntos que não valesse a pena. Eu sinto falta disso. São Paulo nos torna muito individualistas, chutando-nos cada um pra um canto. A gente acaba perdendo um pouco aquele sentimento gostoso de ser parte de um grupo.

Foi Pira o palco da descoberta que várias vezes me trouxe lágrimas aos olhos: Os animais estão todos vivos! Soa óbvio, eu sei, mas essa consciência me acertou como um raio. Aqueles olhos, tão cheios de expressão e personalidade, refletiam a mim mesma. Lá estava o feno, que alimentaria o boi. Lá estava o boi, que me serviria de alimento. E, um dia, quando eu morrer, afundarei na terra e ressurgirei como planta, tomando meu lugar no ciclo. Todos temos tempo de ser presa e predador, inclusive as plantas e os humanos. Tudo se transforma, tudo é feito de uma sopa de átomos emprestados. E foi aí que, com o coração a mil, enxerguei a beleza da minha escolha, e o amor pelo que um dia farei.

Sinto falta das estrelas surreais, da palavra-com-A, da guerra de bosta, dos cabritinhos, do Miltinho, da Sharon, do Jafar, do cheiro de cu. E daquela moda, e do C8, e das cococoisas. Mas, acima de tudo, sinto falta de estar com vocês. Aprendi tanto sobre amizade, afeto, convivência e sobre mim mesma nessas duas semanas que mal consegui colocar nesse texto. Quero terminar dizendo que NÃO VEJO A HORA DE PASSAR UM SEMESTRE COM VOCÊS! De preferência, com a presença de um amigo que fez uma falta gritante (saudades, bandeco). 

Obrigada pela parcela enorme de culpa que têm por essas terem sido as melhores férias de todas. E aproveitem esse gostinho de descanso que ficou no fundo da língua.

*adicionem "advinda" à lista que já contém "ousados", "exposta", "frustrada", "precária", "tristonha", etc.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Há dezoito anos que moro na mesma rua. Não conto os dois últimos em que fiquei longe. Eu sempre tive consciência de como ela é linda, mas, às vezes, esqueço. Foi o que acabou de acontecer. Hoje de manhã, levando a Maria Nita pra passear, foi como se a visse depois de muito tempo. O ipê amarelo na calçada oposta à minha ainda estava lá, cobrindo de flores a picape vermelha do vizinho, uma visão que me tira o fôlego desde pequena. A vista do céu ainda é a mesma, uma vista privilegiada, posto que minha rua é bem alta e longe de prédios. Se eu olhar bem pra cima, envergando o pescoço em noventa graus, enxergo só o céu e nenhuma casa, e parece que estou voando. Sem contar a música animada vinda da academia, o dálmata da senhora minha vizinha, a goiabeira na calçada da bifurcação, que só deu fruta uma única vez na história desde que nasci. Como se uma pedra martelasse meu crânio, notei que venho tendo pensamentos tortos. A verdade é outra.

Percebi que tenho muita sorte. Não só por morar nessa rua, mas por ter todas essas chances. Por ter um amor correspondido. Por ter família, amigos, casa. Por poder estudar e viajar. E brotou uma semente há muito enterrada. A vontade de que todo mundo no mundo se sinta assim também.

terça-feira, 1 de julho de 2014

"All things must pass", he said

Está aí, ó: a borboleta com a asa amassada. Quem quiser ver, que veja. Lagarta que não coube mais no casulo. Saiu antes do tempo, ou saiu tarde demais, pouco importa; saiu torta. Eu a amo e vivo, com todos aqueles acordes errados e as cores vibrantes e as memórias. Confia no chão sem confiar nas pernas. Vê o sol nascer e acredita que inventou a luz! Tem medo da noite, quando se vê refletida. Tem medo de si mesma nua.

A vida, hão de concordar vocês, a vida é o fenômeno mais lindo que há. Sabe deus se foi deus quem fez, se é acaso. Bom de pensar assim é que te tira da sua vida, como um gancho que puxa pro alto, bem lá no alto. Não parece mais tão assustador lá embaixo, parece, borboleta? Olha só toda essa gente. Agora, vai. Desamarrota essa asa e desce, que está atrasada (nossa moça tem um encontro maiêutico. Adivinhem com quem).

Escrever a alma não te faz menos forte. Dar esse presente às pessoas é que talvez seja narcisista. A essa altura, deve ser. Ah, mas isso é de uma beleza...

É tão gostoso não poder voar, quando ainda não se sabe ao certo para onde ir, não é? 


quinta-feira, 19 de junho de 2014

Aquela que vem do mar

A noite era fria e calma. Nada se ouvia além do bater das ondas no rochedo, uma melodia triste e ritmada. Nenhuma gaivota, nenhuma cigarra e nenhum crustáceo se atrevia a interromper a canção hipnótica. Cada pedaço de vida na praia se calava para embeber-se do som, e observar a moça de longos cabelos e expressão sombria no alto do rochedo.
Seus olhos brilhavam como dois faróis na penumbra. Ela contemplava o mar. Olhava-o com febril adoração, como um crente a seu deus. Enfim, ela o encontrara; não tinha mais medo do depois, ou do que haveria à sua espera, se é que haveria. Toda angústia, todas as perguntas e toda decepção não mais existiam. Não ali, sob o teto de água.
A moça fechou os olhos aliviada. Estendeu os braços, saudando o mar, adorando seu deus, tão acolhedor, tão piedoso... O mar a chamava; dentro dele, todas as respostas. Ela sabia disso. Angústia, perguntas e decepção, nada mais importava. Rindo, a jovem moça desatou a correr em direção à beira do rochedo, os olhos fechados, os cabelos e o pesado vestido dançando ao sabor do vento... Até que os pés perderam o chão, e seu corpo era como a mais bela gaivota, indo ao encontro das ondas. Livre como nunca antes. Livre de si mesma.
Quando tornou a abrir os olhos, viu maravilhas com as quais jamais sonhara. Seres fantásticos e cores e luzes moviam-se ao seu redor. Minutos, meses, anos se passaram. Não sentia necessidade de comer, pensar ou rezar. Quando o último sopro de ar deixou seus pulmões, quando toda ela era feita de mar, a mão enorme e viscosa vinda do profundo veio de encontro à sua. Ela estendeu os dedos murchos de sal, agradecida. Encontrara sua paz. Então, deixou de existir.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

São Paulo, 12 de junho de 2014

Era meu aniversário. E, embora, a noite fosse fria, não havia lugar mais aquecido onde eu pudesse estar. A realidade bateu-me no rosto três vezes, com carinho: eu não estava sonhando. 

Embora não me lembre do primeiro, lembro bem daquele que, por causa das borboletas no estômago, quase não dei. Pensei, caramba!, a felicidade cheira a Egeo! Éramos um e um. E agora somos um coração secreto, um doce de abóbora que virou maracujá. Não se conta porque os lábios não foram feitos pra contar, e sim pra achar tua boca (a mesma que riu tão linda na quase morte da melancia).

Contigo descobri quanta coisa cabe no tempo em que se espera esfriar os biscoitos. Notei que não há valor numa nota, e vi que, antes, eu nada via. Eu te olhei olhar pra mim, e senti que tudo tinha sentido. Decidi morrer* ali, com a Aydar adoçando o ouvido, tua boca a vinte e três milímetros, a noite que não quero que acabe nem se a virarmos.

Quem diria que o caubói laçaria meu coração. Que S J me faria lembrar de mais que Sandy e Júnior. Amo essa tua coragem de ser. Amo essa certeza de que posso acreditar em tudo que vem desses olhos que me bebem. Hey, baby!, eu te amo!

Da Meireles com um só "l", à minha verdade.



*Embora talvez concordes comigo que morrer de susto com uma freira seria mais engraçado.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O ser e a existência

Garrafinha de Epocler entre os lábios. Olhos fechados com força, e... Nada. O cérebro grita: "engole!", mas o braço não dá nem sinal de vida. O corpo não quer, e manda dizer que nem adianta insistir.

Capítulo 10 do Nicholas aberto. Olhos varrem as palavras, obedientemente, mas a mente nada absorve. O corpo dá sinais de estresse. Não quer ler o Nicholas, quer que ele e sua genética vão para o diabo que os carregue.

Tem dia que não sou dona de mim. Apenas vivo para ser o bicho que sou.



sábado, 24 de maio de 2014

Incertezas, mas eu prefiro assim

"Era legal quando parecia que ia ser legal."

Rimos. Foi engraçado como ele pensou tão rápido, e como aquela frase resumia basicamente toda uma batalha interior. O sorriso enrugava os cantos dos olhos, que agora se enchiam d'água - dessa vez, por causa do cheiro de formol.

É mágico quando você traça um objetivo e, ao chegar lá, olha pra trás e vê que todo seu esforço, todo um plano que, por mil fatores - muitos deles extrínsecos a você -, sucedeu bem. Aí você vira e olha pra frente de novo. Até agora, a estrada fora uma. A partir desse ponto, ela se ramifica em tantas que você perde o ar, e tudo que pode fazer é ficar parada lá, bestializada. Nenhum dos caminhos te atrai, a não ser o caminho de volta. Consegui o que eu queria. Mas será que consegui o que preciso?

Duas coisas eu tenho que levar em consideração. A primeira é que eu não sou a mesma pessoa que tomou essa decisão alguns anos atrás. Aliás, essa dúvida já me corroía há algum tempo. A segunda é que uma coisa é ver um lindo pirulito de morango numa vitrine de doceria e desejá-lo, e outra é comprá-lo e levantar a sobrancelha ao perceber que ele tem gosto de óleo de rícino.

Enfim, escolhi uma trilha, e estou seguindo. Pode ser que daqui a alguns metros ela se mostre encantadora, e eu me apaixone por ela. E daqui a alguns anos eu diga, rindo, "lembra de quando eu pensei em voltar? Tsc." Ao menos, uma coisa é certa: se as coisas não melhorarem, não há chance de continuar. Se eu realmente quisesse chegar no destino que escolhi, removeria as pedras, cortaria os cipós, lutaria com as bestas, e seguiria sorrindo, incansável. O negócio é que estou me deixando tropeçar e arranhar, como desculpa para voltar atrás. Tomar outro caminho. Com medo e tudo.

Quando eu nasci, o reino todo ficou feliz. Veio uma bruxa e me amaldiçoou para sempre com angústia em todas as vésperas de aniversário.

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"Which road do I take?" (Alice)
"Where do you want to go?" (Cat)
"I don't know," Alice answered.
"If you don't know where you are going, any road will get you there."

domingo, 11 de maio de 2014

Ouvir dizer que eu sou louca (ou o mistério do brigadeiro)

Tá, não é que eu ouvi de fato. Ninguém teve ainda a coragem de verbalizar essa levantadinha de sobrancelha quando eu falo que não gosto de brigadeiro. Entretanto, já ouvi muitos monólogos sobre quão esquisita eu sou - alguns dos quais tão bem fundamentados que dariam uma bela tese de doutorado.

Fui falar com a única pessoa que eu tinha certeza que diria só o que eu queria ouvir.

"Ô mãe, você acha que eu sou louca?"

Ela parou de cortar a cebola, olhou pra mim com aquela sobrancelhinha semi-levantada (minha mãe não consegue levantar uma só sobrancelha direito, então foi um movimento bem sensível) e eu comecei a rir tresloucadamente, porque ali estava a confirmação, mesmo que ela tenha dito "Claro que não, querida". Eu sabia que ela não entendia como podia ter feito dois filhos tão diferentes em matéria de brigadeiro, já que meu irmão come dessa bola amarronzada por ele e por mais três de mim. Infelizmente ela apenas voltou a cortar a cebola (não sou muito fã da cebola no arroz (embora eu as coma sem qualquer frescura), mas isso uma parcela maior de pessoas parece compreender).

O negócio é que jamais entenderei o que veem no doce que é paixão nacional. Não me entendam mal. Eu gosto de chocolate, gosto muito. Mas parece que, quando embrigadeirado, ele perde toda aquela parte gostosa e fica apenas com a enjoativa. Se pra mim já é difícil mandar uma bolinha pra dentro, imaginem como é interessante ver meu irmãozinho engolindo uma atrás da outra. 

Para boquiabrir ainda mais os colegas que silenciosamente me cunham de louca, já encontrei mais como eu. Vez ou outra na vida, deparo-me com alguém que também não entende como um doce tão doce possa ser tão amado. E aí geralmente trocamos sorrisos cúmplices e enchemos um pratinho com beijinhos. 

Ao menos de uma coisa vocês podem ter certeza: não fui eu quem roubou aquele brigadeiro faltante da mesa do bolo antes do parabéns.

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Dentre todas as coisas nas quais venho pensando, em meio a um abalo sísmico nas ideias que teve parece ter começado a entrar em velocidade constante apenas agora, é sobre isso que sinto tesão em escrever: futilidades. É bem frustrante, e não desistirei dos planos de um dia criar um debate neste blog. Apenas peço que, agora, deem a este texto a nota sarcástica que ele tem por natureza.

terça-feira, 22 de abril de 2014

P(individualismo altruísta) num espaço amostral infinito

Se o universo é infinito, e este mundo é uma dentre as infinitas possibilidades; e se todas elas estão acontecendo ao mesmo tempo, em várias dimensões; e se tudo que foi, é e será pensado aqui, nesta terra, existe ou existiu em algum lugar; se tudo que desejo e temo aconteceu a alguma das possibilidades de "eu" que há por aí, jogadas no cosmo; se assim é, então em alguma esquina do universo, numa dimensão qualquer, em um planetinha ali, de canto, existe um mundo em que todo e qualquer ato egoísta meu se reflete em um bem enorme à humanidade. Nesse planeta, só aí, a Marina pode orgulhar-se de andar com a cara virada pro próprio umbigo.

Mas não aqui. Nesse mundo, não.

sábado, 22 de março de 2014

Quando olho fundo naqueles olhos cor de hazel (ou Devaneio na biblioteca)

Sentei. Dei à bibliotecária os documentos necessários e, intimidada pela profundidade do silêncio, tratei de ocupar-me em organizar qualquer coisa na mochila, até que tudo estivesse transtorno-obsessivo-compulsivamente arrumado. Logo não me restou nada a fazer a não ser fitar o vazio e ouvir a moça teclando em seu computador. O som já me era conhecido. Dedos ligeiros apertam teclinhas de plástico, produzindo uma sequência de tec-tecs macios. Pausa. Mais tec-tecs. Arrepio quente. Memórias brotam aleatoriamente: eu brincando de secretária com minha coleguinha Camila quando criança, digitando os dados de clientes invisíveis; o joguinho virtual de somar e multiplicar que eu fazia mais pelo prazer de ouvir o som das teclas que pela vontade de treinar matemática; uma previsão particularmente boa sobre o exato momento em que estou digitando esse texto (e, ao mesmo tempo, sentindo íntima satisfação por produzir o tec-tec macio) e, talvez a minha favorita, um caixa de supermercado sem rosto definido apertando o enter repetidamente, que é o barulho que mais me agrada ouvir nesse contexto. Mas não o enter gordinho. Tem que ser aquele fino, do canto numérico do teclado, e usando apenas o dedo indicador.

Pensei então em outras coisas que produzem essa mesma sensação gostosa de cócegas na alma. Quando alguém mexe nas mechas mais inferiores do meu cabelo (nas do cocuruto às vezes incomoda). Ou desenha com um objeto não afiado pela minha pele. Quando costureira tira minhas medidas com a fita métrica, e quando médico ausculta meus pulmões. Quando dou o primeiro gole no mate gelado, quando está uma noite fria e chuvosa, e eu sob os cobertores, quando olho fundo naqueles olhos lindos, vivos, cor de hazel. 

CÓ.CE.GAS-NA-AL.MA (s.f. pl) 1. Quentura que vai subindo pela espinha, no começo quase imperceptível, mais intensa à medida que sobe, sempre sutil. Às vezes, vem acompanhada de cócegas no coração, literalmente no coração, lá dentro, onde as unhas não alcançam. Depois, o mundo inteiro encolhe, até que só sobram as cócegas na alma (e, no caso que dá nome ao texto, seu causador, bem como todo o amor por ele*). E você nem percebe que está sorrindo, às vezes de olhos fechados, até que tudo para -  não ouvia mais o som das teclas. 

Fiquei alguns segundos imóvel, frustrada, na esperança de que o som voltasse, e nada. Virei-me na direção da bibliotecária, já com a pergunta nos lábios do porquê de o tec-tec ter parado, e encontrei-a de braço estendido, lançando-me um olhar impaciente por cima dos óculos. Na ponta do braço estendido, uma mão com meus documentos. Agradeci, meio atordoada, meio encabulada, peguei meus pertences mais o livro e fui. "Quero escrever sobre isso", pensei rindo. "Ainda bem que crônicas não têm que fazer sentido. "






*Tudo que existe nesse instante é esse instante**, tudo que vejo é cada contrair-e-ampliar de pupila, alheia a tudo que não for ele (e dele).

**Se eu tivesse a pretensão de escrever um dicionário, essa seria a definição de êxtase.

Ou isto ou aquilo

Que difícil é tomar partido quando não se sabe muito bem o que é certo ou errado. Mais difícil ainda quando se sabe que certo e errado podem muito bem ser relativos. Ainda mais difícil se se pensar que certo e errado podem nem mesmo existir. Que difícil é.

Quem foi que nos ensinou que olho azul é mais bonito que olho castanho? E quem é que nos ensinaria o contrário? 

Quem é que está certo nesse mundo?

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"Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
 Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!"

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Das pessoas que não conheci

Entro no metrô na estação Patriarca. O horário e o dia da semana permitem que eu amplie consideravelmente o raio do meu espaço pessoal. Acho um canto onde possa passar despercebida, coloco os fones de ouvido e, incomunicável, concentro-me em copiar a expressão neutra e distante dos meus companheiros de vagão. Como um camaleão, assumo a aparência da parede às minhas costas. Viro paisagem.

É aí que sinto algo quente e macio no meu braço. Constato, espantada, que é calor humano. Um bebê, sentado no colo da mãe, mexe curiosamente nas minhas pulseiras. No mesmo instante, abro aquele sorriso bobo que só bebês e animais arrancam da gente. Ofereço-lhe um dedo, que ela toma entre as mãozinhas. Tudo lhe é comoventemente novo e encantador. Sem olhar pra mim, a mãe puxa o braço da menina. Tenho vontade de dizer “Não está incomodando!”, mas as palavras param na metade do caminho. 

Entra um homem alto, de terno, carregando uma pasta, e para bem de frente pra mim. Seu olhar encontra o da menina, e o sorriso bobo aparece nele também. Será que o bebê o fazia lembrar de alguém? Talvez de sua própria filha? De sua irmã caçula? Penso em perguntar o que está tocando nos seus fones de ouvido, mas nada falo. Desço na estação Sé.

Dúzias de pessoas atravessam meu caminho; desvio de cada uma delas. Ninguém parece perceber minha presença, de qualquer forma. Estão todas concentradas em passarem despercebidas, tentando seguir seu trajeto sem cruzá-lo com o de ninguém. Sinto um cutucão no braço – é um rapaz se oferecendo para segurar minha bolsa. Digo-lhe que já vou descer, ainda que faltem seis estações, por um receio estúpido e infundamentado de interagir com outros seres de minha espécie. 

O trem volta a andar justamente no momento em que me preparo para sentar num banco vazio: caio na senhora ao lado. Ela, assustada por ser chamada de volta de seu mundo interno, abre uma carranca, que se dissolve poucos segundos depois, quando ela (ao som de uma profusão de pedidos de perdão da minha parte) processa o ocorrido. Antes que eu junte coragem suficiente para dizer-lhe que gostei da sua camiseta, o trem para e ela desce. Não sem quase cair em cima de mim, devo acrescentar.

Em menos de uma hora, tive a chance de conhecer tantas, tantas pessoas, e a única à qual dei ouvidos foi Dave Matthews, que cantava pelos meus fones. De quantas informações me privei? Em que medida deixei de conhecer pessoas valiosas em prol de minha própria segurança? Sei que nem todo mundo é bem intencionado. Sei que muitos poderiam interpretar uma iniciativa de conversa como interesse sexual, por mais absurdo que isso me pareça. Mas não é nada disso. É curiosidade, é vontade de ampliar o conceito turvo e subnutrido que tenho do que é a vida.

Chego ao meu destino. Avisto-o, e nada mais penso sobre o metrô ou as pessoas que não conheci. Sorrio.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Por que escrevo?

Sempre que tento escrever um texto argumentativo pra esse blog, travo. Este ia ser sobre punições corporais (fica pra mais tarde, quando eu estiver menos passional), mas, bom, não é. É sobre minha história de amor com as palavras. Era uma vez...

Não vou dizer que sempre gostei de escrever, não é verdade. Mas posso dizer, sim, que sempre gostei de ler. Aprendi cedo, aos quatro anos, e não só porque as tias da escolinha me faziam repetir as letras do abecê que ficavam grudadas na parede da sala ("efe de faca, gê de galinha, agá de helicóptero"), mas porque eu queria entender o que todos aqueles letreiros no shopping queriam dizer. Pois é, eu fui uma consumistazinha.

Quem me ensinou a magia para decifrar todos aqueles códigos, mesmo, mesmo, foi minha avó materna. Nós passávamos as tardes juntas, porque minha mãe trabalhava o dia todo. Eu me lembro muito bem de sentar no colo dela, caderno e caneta em mãos, e tentar copiar a palavra "porta", que ela escreveu com letra cursiva, na caligrafia mais didática que conseguiu. Eu fazia a letra "o" ao contrário, e só conseguia fazer o "p" maiúsculo - o minúsculo demorou anos a sair. Lembro disso mesmo sendo tão pequena porque foi como descobrir o mundo. E de fato eu descobri.

Quando cresci um pouco, comecei a ter aulas de redação na escola; pronto, nascia a paixão. O maior orgulho da vida era quando a professora lia meu texto em voz alta. Ficava com vergonha, também, porque soava muito mais bobo do que quando eu tinha escrito, e pensava que meus colegas iam me achar uma tonta (mais ou menos o sentimento que tenho ao postar um texto nesse blog). 

De qualquer forma, a vontade sempre foi produzir o texto perfeito, e é claro que eu nunca consegui. Mas o prazer de encontrar a palavra perfeita, de criar a metáfora perfeita, de usar a mesóclise, esse que me motivou a escrever. Meu caderno de Português sempre foi mais bonito, mais colorido que os outros - isso antes de eu conhecer a Biologia. Os dois cadernos competiram desde então em estética e conteúdo -, atividades de conjugação verbal (isso, aquela do "Eu canto, tu cantas, ele canta", que todo mundo acha um saco) eram um prazer.

Amo fazer o que estou fazendo agora. O ato de escrever está para mim como a bebida para um alcoólatra. Não saberia viver sem escrever - já está provado que a abstinência traz irritação e inquietude. Notem que o amor ao ofício não leva necessariamente a um trabalho bom (não me considero uma boa escritora, mas pretendo ser. Tenham paciência), mas faz com que cada palavra seja escolhida com capricho. Escrevo porque preciso escrever. Tenho que escrever. Escrever por escrever.


“Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando…”

Clarice Lispector (Pelo menos é o que dizem. Não colocaria minha mão no fogo pelas referências)